sexta-feira, 14 de março de 2008

BLUE AFTERNOON, Folxploitation

BLUE AFTERNOON, FOLXPLOITATION (2003)



Existem raros casos em que a beleza, tão evidente e tão implicitamente complexa ao mesmo tempo, machuca. Quando, através da fascinação, você mergulha numa obra de arte, tateando por todas as suas nuances, e só percebe bem mais tarde, entre o sorriso e a perdição, que está preso. A beleza que liberta do mundo e que oferece conforto e ilusão, mas que aprisiona por suas infinitas - e sutilíssimas – possibilidades. Folxploitation, primeiro trabalho da quase one-man-band Blue Afternoon, do paulistano Guilherme Barrella, oferece esse percurso tentador e amedrontador.

A capa é uma reprodução da gravura “Bandeira Preta”, do artista carioca Oswaldo Goeldi, e o interior da caixinha do cd oferece variações sobre o mesmo tema, mantendo o preto e o branco do original. Goeldi imprimia tons escuros e meios-tons em suas xilogravuras, raramente utilizando a cor – em algumas, quando a coloração aparece, explode, satura, na tentativa de alcançar a densidade mórbida do escuro predominante.

Essa peculiaridade transfere-se para as 12 composições do disco. São violões, violoncelos, gaitas, silêncios e a voz grave e trêmula de Guilherme Barrella, alternando entre a manifesta melancolia e a esperança que quase já se foi. Por exemplo, o violão aparentemente ensolarado da faixa de abertura, “Ready For The Worse” está, na realidade, criando uma cama macia para a aridez da letra. Os vocais estão no meio do caminho entre o cantado e o falado. Nas primeiras audições me lembrava Aidan Moffat, do Arab Strap, inclusive pela temática de relacionamentos oblíquos abordada.

Cada canção reflete uma criança que ficou jovem prematuramente, ou, mais possivelmente, um jovem tornado adulto muito cedo, sem tempo de deixar os arranhões psicológicos da adolescência cicatrizarem. Nós temos somente 20 anos; nós não nos sustentamos em pé sem a presença do outro; precisamos dissimular nossos medos através de remédios. Precisamos de heróis. Nossos heróis estão mortos.

Apresentar um primeiro trabalho calcado em violão-e-voz sem encaixar-se em um gênero facilmente definível é para poucos: tem folk e tem country, tem pop mais acre do que doce, e melancolia, tem violoncelos e gaitas. E tudo é lindo, e traz novíssimas possibilidades a cada audição, te puxa a cada segundo. Guilherme Barrella quer cochichar no teu ouvido e te chama mais pra perto, o acabamento das músicas faz com que você esqueça do ambiente ao seu redor – seja indo pro trabalho, seja no sofá de casa - e se perca na beleza gentil e hermética de cada acorde. Como olhos verdes, sempre hipnotizantes.

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Estilo: folk / sad songwriter

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